sábado, 23 de outubro de 2010

Jessye Norman é traída pela tecnologia em recital apresentado em São Paulo

A cantora lírica Jessye Norman, que faz turnê cantando clássicos da música americana

Os recitais de canto lírico, por excelência, são um território em que impera o acústico. O que vale aqui é ouvir a voz do cantor em toda sua humanidade, sem mediações. Cada entonação, dinâmica, pausa, respiração tem um valor expressivo. Na apresentação que fez em São Paulo na noite da última sexta (22), a cantora Jessye Norman, 65, foi traída pela tecnologia ao escolher se apresentar empunhando um microfone.

Acompanhada pelo pianista Mark Markham, a cantora mostrou um apanhado de musicais americanos, como "West Side Story", "Porgy and Bess", "The Sound of Music" e outros. Só piano e voz, como num recital lírico. Nesse domínio do acústico, a amplificação eletrônica foi uma intrusa que descolou a voz de sua relação orgânica com o piano, achatou suas dinâmicas e a deixou com um timbre metalizado que nada tem a ver com a voz quente e densa da cantora. Durante a maior parte do concerto, a voz de Norman —uma das mais excepcionais que já surgiram no canto lírico— parecia desafinada e instável, com variações abruptas de timbragem.  

A maior parte do repertório parecia num tom alto demais para ela, o que só agravou a impressão geral de desafinação. Os momentos mais bonitos ficaram por conta das canções em que Norman pode explorar seu timbre mais grave, como "My Man's Gone Now" (Gershwin), "Stormy Weather" (Harold Arlen) e o spiritual "Another Man Done Good", única canção realmente de destaque. Nela, Norman canta com graves profundos, enquanto Markham dá murros no piano, fazendo vibrar as cordas soltas.

Repertório e questões técnicas à parte, a presença de palco de Jessye Norman, construída em anos de ópera, é portentosa. A primeira coisa que se nota é que ela aparenta muito menos idade do que tem e está mais magra do que nos vídeos que se pode ver na Internet. Vestida de preto e com uma vasta cabeleira solta, ela caminha e se movimenta como uma verdadeira diva, com gestos largos e expressões faciais amplas. Com as mãos no ar, ela pontua pausas, fraseados musicais e passagens da letra.

Ainda assim, seu carisma não foi capaz de segurar o público. O recital começou com o auditório de 1.500 lugares quase lotado. Uma parte da plateia não voltou depois do intervalo de 15 minutos no meio do programa. Houve quem saiu durante a segunda parte. E houve aqueles que nem esperaram o bis.

Com mais de trinta anos de carreira, Norman já viveu de maneira antológica dezenas de papeis operísticos, entre eles "Carmen", "Isolda" e "Aida", além de ter encarnado o próprio espírito da liberdade ao cantar a "Marselhesa" nas comemorações dos 200 anos da Revolução Francesa, em 1989, em Paris. Em reconhecimento por sua enorme contribuição ao mundo da música, Norman ganhou prêmios Grammy, além de prestigiosas honrarias do governo da França —das mãos do presidente Mitterrand— e dos Estados Unidos —a mais recente, em 2009, das mãos de Obama.

Hoje em dia, a cantora já não se apresenta em montagens de ópera, mas continua fazendo recitais acompanhada ao piano. A carreira de um cantor lírico é comparável à de um esportista. Ela exige grande esforço físico e tem um prazo de validade. Alguns cantores, passada uma idade, se dedicam a outras atividades ligadas ao universo da música, como é o caso de Placido Domingo, que se tornou um bem sucedido regente. Outros adaptam seu repertório às mudanças de sua voz, caminho que parece ter sido tomado por Norman. Mas, pelo que foi mostrado em São Paulo, a adaptação ainda não está completa.

Nesta tour brasileira, Jessye Norman canta ainda no teatro municipal de Paulínia (SP), no próximo domingo (24). A cantora já passou por Salvador (15/10), Rio de Janeiro (19/10) e São Paulo (22/10). Há 16 anos Jessye Norman não se apresentava no país. Em 2001, a cantora chegou a recitais no Brasil, mas cancelou as datas após os atentados de 11 de setembro.


JESSYE NORMAN EM PAULÍNIA
Domingo (24), às 20h
Teatro Municipal de Paulínia
Ingressos: de R$ 100 a R$ 300
Vendas pelo telefone: (11) 4003-1212 (Ingresso Rápido) ou (19) 3933-2140 (bilheteria do teatro)

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